segunda-feira, 11 de março de 2013

Swaps, derivados e outras armas de destruição maciça


Na semana passada foi dado amplo eco na imprensa aos famigerados “swaps” de taxa de juro e a outros contratos derivados de fixação de taxa de juro que foram utilizados por várias Empresas Públicas e Privadas em Portugal e que lhes têm vindo a estourar nas mãos recentemente (alegadamente o buraco nas Empresas Públicas ultrapassará os €3 mil milhões).

As opiniões oscilaram entre a habitual senha persecutória contra às Instituições Financeiras e a, não menos habitual, culpabilização, sem apelo nem agravo, de Empresas com estruturas de gestão incompetentes. Como em quase tudo na vida, o tema é um pouco mais complexo do que o que os “opinadores” de serviço querem fazer crer.

Vamos colocar um exemplo numérico (sim, a Alice lamenta mas este é daqueles temas que só com números):

1.    Uma Empresa contrata um financiamento de €100 com um Banco, por 1 ano, à taxa de Euribor + 1%, sendo que esta taxa é calculada e aplicada só daqui a um ano. Na data em que contrata o financiamento, a Euribor está a 4%, pelo que a expectativa da Empresa será pagar €5 no final de um ano [(4%+1%) * €100]. De acordo com as condições do contrato, o Banco pode cancelar o contrato a qualquer momento e a Empresa é obrigada a devolver o capital, mais os juros decorridos até à data do cancelamento.

2.    Atendendo a que existe algum receio de subida de taxa de juro, levando a que a Euribor possa estar acima dos 4% daqui a um ano, a Empresa decide contratar um instrumento de protecção de subida de taxa de juro. Este derivado é um acordo autónomo que permitirá à Empresa ganhar dinheiro caso a Euribor suba (compensando o que tem que pagar na operação 1., fruto do aumento da Euribor), ou perder dinheiro caso a Euribor desça (que será compensado pelos menores pagamentos na operação 1.).

3.    Caso o mundo mantenha o seu funcionamento normal, esta operação correrá relativamente bem:

a.    Vamos admitir que a Euribor desce para 1% ao fim do ano, o Cliente vai pagar pelo seu financiamento €2 [(1%+1%)*€100] e vai pagar pelo seu derivado €3 [(4%-1%)*€100], totalizando os tais €5 que previu no início do contrato;
b.    Admitindo agora que a Euribor sobre para 7% ao fim do ano, o Cliente vai pagar pelo seu financiamento €8 [(7%+1%)*€100] e vai receber pelo seu derivado €3 [(4%-7%)/€100], totalizando os mesmos €5 que previu no início do contrato.

4.    Ora isto funciona bem (e funcionou) em condições normais de mercado. Já não é assim quando o mundo decide entrar em colapso geral. De repente, os Bancos deixaram de ter liquidez, começaram a pedir dinheiro de volta aos clientes e a aumentar brutalmente o preço do dinheiro. O Banco da nossa pobre Empresa comunicou-lhe que queria rescindir o contrato devendo a Empresa reembolsado o valor emprestado e que, na impossibilidade de o fazer, teria que passar o “spread” da operação de 1% para 5%.

5.    Considerando que a Euribor tinha descido para 1% (como desceu), a Empresa não estaria assim tão mal porque iria pagar agora €6 [(1%+5%)*€100], apenas €1 acima do que tinha inicialmente previsto. O problema é de que o derivado mantém-se e a Empresa tem de pagar os tais €3 [(4%-1%)*€100], totalizando um valor de €9, quase o dobro do que tinha previsto, numa operação que considerava relativamente “segura” pelos cuidados havidos.

A realidade é que nem Bancos nem Empresas previram esta tempestade (cisne negro, na feliz expressão de Nassim Nicholas Taleb), o que torna mais difícil imputar responsabilidades a um ou outro interveniente que estavam, aquando da celebração inicial dos contratos, certamente de boa fé.

Por um lado, os contratos 1. (financiamento) e 2. (derivado) são autónomos e, com tal, têm vida própria e lógicas de funcionamento independentes. Não é necessário que alterações num deles gerem alterações no outro e, em bom rigor, eles até podem ter contrapartes independentes, i.e. eu posso fazer uma operação de financiamento com um Banco e um contrato de derivados com outro Banco.

Por outro lado, a realidade é que frequentemente ambos os contratos foram assinados com o mesmo banco, pois estes estavam a vender estes derivados como instrumentos de protecção de taxa de juro no âmbito das suas políticas de “cross-selling”, tão agressivamente perseguidas por estas entidades (em alguns casos, como condição de base para aprovarem o próprio financiamento). Poder-se-á questionar, se a preocupação era quanto a movimentações de taxa de juro, porque não optaram por financiar os seus clientes a taxa fixa?

Para apreciar juridicamente a questão resta aguardar pela decisão dos tribunais sobre se a tese de autonomia dos contratos é suficiente ou não para fazer valer a defesa dos Bancos neste caso. No entanto, no plano ético, a Alice entende que, caso o Banco financiador seja o mesmo que vendeu o derivado à Empresa, não tem grandes argumentos para defender a sua posição sendo que deveria aceitar manter os contratos de financiamento inalterados enquanto os derivados estiverem vivos. Se a operação foi vendida como um todo no início deveria ser vendida como um todo até ao fim.

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