Na semana passada foi dado amplo eco
na imprensa aos famigerados “swaps” de taxa de juro e a outros contratos
derivados de fixação de taxa de juro que foram utilizados por várias Empresas
Públicas e Privadas em Portugal e que lhes têm vindo a estourar nas mãos
recentemente (alegadamente o buraco nas Empresas Públicas ultrapassará os €3
mil milhões).
As opiniões oscilaram entre a habitual
senha persecutória contra às Instituições Financeiras e a, não menos habitual,
culpabilização, sem apelo nem agravo, de Empresas com estruturas de gestão
incompetentes. Como em quase tudo na vida, o tema é um pouco mais complexo do
que o que os “opinadores” de serviço querem fazer crer.
Vamos colocar um exemplo numérico
(sim, a Alice lamenta mas este é daqueles temas que só com números):
1. Uma Empresa
contrata um financiamento de €100 com um Banco, por 1 ano, à taxa de Euribor +
1%, sendo que esta taxa é calculada e aplicada só daqui a um ano. Na data em
que contrata o financiamento, a Euribor está a 4%, pelo que a expectativa da
Empresa será pagar €5 no final de um ano [(4%+1%) * €100]. De acordo com as
condições do contrato, o Banco pode cancelar o contrato a qualquer momento e a
Empresa é obrigada a devolver o capital, mais os juros decorridos até à data do
cancelamento.
2. Atendendo a
que existe algum receio de subida de taxa de juro, levando a que a Euribor
possa estar acima dos 4% daqui a um ano, a Empresa decide contratar um
instrumento de protecção de subida de taxa de juro. Este derivado é um acordo
autónomo que permitirá à Empresa ganhar dinheiro caso a Euribor suba
(compensando o que tem que pagar na operação 1., fruto do aumento da Euribor),
ou perder dinheiro caso a Euribor desça (que será compensado pelos menores
pagamentos na operação 1.).
3. Caso o mundo
mantenha o seu funcionamento normal, esta operação correrá relativamente bem:
a. Vamos admitir
que a Euribor desce para 1% ao fim do
ano, o Cliente vai pagar pelo seu financiamento €2 [(1%+1%)*€100] e vai
pagar pelo seu derivado €3 [(4%-1%)*€100], totalizando os tais €5 que previu no
início do contrato;
b. Admitindo
agora que a Euribor sobre para 7% ao fim
do ano, o Cliente vai pagar pelo seu financiamento €8 [(7%+1%)*€100] e vai
receber pelo seu derivado €3 [(4%-7%)/€100], totalizando os mesmos €5 que
previu no início do contrato.
4. Ora isto
funciona bem (e funcionou) em condições normais de mercado. Já não é assim quando
o mundo decide entrar em colapso geral. De repente, os Bancos deixaram de ter
liquidez, começaram a pedir dinheiro de volta aos clientes e a aumentar
brutalmente o preço do dinheiro. O Banco da nossa pobre Empresa comunicou-lhe
que queria rescindir o contrato devendo a Empresa reembolsado o valor
emprestado e que, na impossibilidade de o fazer, teria que passar o “spread” da
operação de 1% para 5%.
5. Considerando
que a Euribor tinha descido para 1% (como desceu), a Empresa não estaria assim
tão mal porque iria pagar agora €6 [(1%+5%)*€100], apenas €1 acima do que tinha
inicialmente previsto. O problema é de que o derivado mantém-se e a Empresa tem
de pagar os tais €3 [(4%-1%)*€100], totalizando um valor de €9, quase o dobro
do que tinha previsto, numa operação que considerava relativamente “segura”
pelos cuidados havidos.
A realidade é que nem Bancos nem Empresas
previram esta tempestade (cisne negro, na feliz expressão de Nassim Nicholas
Taleb), o que torna mais difícil imputar responsabilidades a um ou outro
interveniente que estavam, aquando da celebração inicial dos contratos,
certamente de boa fé.
Por um lado, os contratos 1. (financiamento)
e 2. (derivado) são autónomos e, com tal, têm vida própria e lógicas de
funcionamento independentes. Não é necessário que alterações num deles gerem
alterações no outro e, em bom rigor, eles até podem ter contrapartes
independentes, i.e. eu posso fazer uma operação de financiamento com um Banco e
um contrato de derivados com outro Banco.
Por outro lado, a realidade é que
frequentemente ambos os contratos foram assinados com o mesmo banco, pois estes
estavam a vender estes derivados como instrumentos de protecção de taxa de juro
no âmbito das suas políticas de “cross-selling”, tão agressivamente perseguidas
por estas entidades (em alguns casos, como condição de base para aprovarem o próprio financiamento). Poder-se-á questionar, se a preocupação era quanto a
movimentações de taxa de juro, porque não optaram por financiar os seus
clientes a taxa fixa?
Para apreciar juridicamente a questão
resta aguardar pela decisão dos tribunais sobre se a tese de autonomia dos
contratos é suficiente ou não para fazer valer a defesa dos Bancos neste caso. No
entanto, no plano ético, a Alice entende que, caso o Banco financiador seja o
mesmo que vendeu o derivado à Empresa, não tem grandes argumentos para defender
a sua posição sendo que deveria aceitar manter os contratos de financiamento
inalterados enquanto os derivados estiverem vivos. Se a operação foi vendida
como um todo no início deveria ser vendida como um todo até ao fim.
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